Deteção, Seleção e Captação de Talentos para a Prática Desportiva

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São muito poucos os clubes desportivos em Portugal que fazem uma rigorosa e científica deteção e seleção de talentos. Definimos como talento desportivo aquela que possui uma aptidão especial ou grande aptidão para o desempenho desportivo. Há uma relação direta entre treino a longo prazo e talento desportivo. Isto é, não basta ter talento, será necessário levar a cabo um processo de treino ao longo de vários anos, de modo a que o atleta possa potenciar as suas aptidões para a prática de um determinado desporto.
O que a maioria dos clubes (dirigentes e técnicos) envolvidos no fenómeno desportivo pretendem é detetar jovens com elevadas potencialidades, selecionar os mais aptos, submete los a um processo de treino adequado e fazer deles os melhores dos melhores. Nem sempre estes técnicos e demais agentes desportivos aceitam as pesquisas e metodologias desenvolvidas pelos cientistas do desporto. É evidente a falta de conhecimento e aceitação pelos técnicos desportivos destas metodologias cujo objetivo é auxiliar no diagnóstico e predição do desempenho atlético, também estes com algum grau de fiabilidade. Provavelmente, o modelo mais utilizado em Portugal e talvez no mundo, para detetar crianças e jovens com talento para o desporto é feita através da observação em situação de competição. São procedimentos com um certo grau de subjetividade e de empirismo e em muitos casos tardio. Não devemos subestimar esta forma de deteção, mas deveremos sempre selecionar estratégias científicas adequadas que possam validar, ou não a observação.
Temos sempre de levar em consideração a maturação do jovem que observamos. As crianças com um desenvolvimento normal ou lento têm mais tempo até que o seu núcleo de informações se feche. Podem assim experimentar mais atividades motoras e desencadear um maior desenvolvimento das suas capacidades físicas. Os testes de aptidão física, os testes antropométricos, os testes da técnica do movimento, os testes da condição psicológica e os testes de direção cognitiva são igualmente relevantes para a predição e orientação do talento.
Segue se o desenvolvimento do talento. Para além de uma predisposição, o ideal será que, nas etapas da carreira desportiva, o processo de desenvolvimento possa ser otimizado. Para se tornar um atleta de alto nível, este processo de desenvolvimento é tão, ou mesmo mais importante do que nascer com uma genética privilegiada. A conjuntura mais relevante é a puberdade. Nesta fase o atleta estará sempre mais disponível para assimilar e armazenar as informações que lhe são dadas.
Este desenvolvimento do talento desportivo pode ser feito em três etapas. A seleção preliminar, através de uma bateria de testes para determinar as capacidades motoras gerais. As crianças das idades do 1º ciclo (6 aos 10 anos) deveriam ser todas sujeitas a estas avaliações. Os que tiverem melhores resultados podem depois ser encaminhadas para os clubes da sua área de residência e participar num programa de treino, de acordo com as suas idades, os seus gostos e a vontade dos pais. No final desta etapa, será feita uma avaliação que confirmará se os jovens estão aptos para uma segunda etapa, a seleção secundária. Os países onde tal é feito de forma oficial, são os que acabem por ter maior sucessos nos palcos internacionais: Jogos Olímpicos e Campeonatos Continentais.
Na etapa da seleção secundária, quando sabemos melhor as capacidades dos jovens, deveremos orientar os mais dotados para os desportos que revelaram maiores aptidões. É fundamental envolver os pais, os professores e demais envolvidos neste processo, procurando direcionar os jovens para o desporto onde poderá vir a conseguir melhores resultados. Esta fase visa incrementar no jovem talento desportivo um desenvolvimento desportivo, através de um treino sistemático e de participação em competições gradualmente de maior nível, do âmbito distrital ao nacional. É uma etapa que desenrola em vários anos e que, sendo feita nos clubes que reúnem melhores condições de treino, os levará até aos grandes cenários internacionais: Campeonatos da Europa e do Mundo de Su18 e de Sub20. A partir daqui poderão estes talentos ser conduzidos para uma carreira desportiva fantástica, potenciando todas as suas capacidades. É fundamental ter os apoios e as adaptações necessárias na sua carreira académica.
Onde é que é possível conseguir este contexto em Portugal e conduzir os talentos ao topo do sucesso?
Deixo outras perguntas. Temos um número suficiente de agentes desportivos de grande qualidade (dirigentes, treinadores, ..) e com a formação adequada a potenciar os nossos melhores jovens?
Qual o papel que deverá ser desempenhado por quem tem responsabilidades políticas?
Resumindo, a deteção, formação, seleção e promoção do talento desportivo estão diretamente relacionados com o processo de treino a longo prazo. Se este for realizado de forma planeada e sistemática, poderá desempenhar um papel fundamental na formação de jovens talentosos para o Alto Rendimento em diferentes desportos. Provavelmente nunca conseguiremos aproveitar totalmente as crianças talentosas nas idades ideais para iniciar este processo. Apesar de sermos um país com alguns dos melhores desportistas do mundo, em especial no futebol, é certo que continuamos a ter uma grande margem de progressão, pelo menos em alguns desportos.
No que se refere ao atletismo, se conseguíssemos captar os melhores dos campeonatos nacionais de corta mato escolar e dos torneios MEGAS da cada área educativa e na final nacional, teríamos certamente ainda mais jovens a seguir uma carreira desportiva com estatuto internacional. A curto, médio e longo prazo necessitamos de ter mais clubes de atletismo ou secções de atletismo em clubes já implantados na nossa sociedade, para podermos melhorar na deteção, seleção e captação de talentos. Teremos igualmente de conseguir mais e melhores dirigentes, técnicos e demais agentes desportivos que possam potencializar a estas tarefas e levar a cabo um processo de treino de eleva qualidade. Assim poderemos vir a ter mais e melhores desportistas e conseguir ainda mais proezas na cena desportiva internacional. Muito estamos a conseguir fazer no contexto atual. Conseguiremos fazer mais e melhor?
27-12-2019; Carlos Carmino